CiAonema Logo

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Climax (2018) Review

by Erica

Uma Viagem Auditiva, Visual e Psicológica

Climax, de Gaspar Noé, é um daqueles filmes que ou te conquista pelo absurdo ou te afasta completamente. Pelo que percebo, essa parece ser a imagem de marca do realizador. Nunca tinha visto nada dele, tirando o início de Love (2015), que me afastou logo. Achei tão estranho que nem consegui continuar (apesar de que, eventualmente, hei-de ver até ao fim). Mas com Climax foi diferente. Fui completamente agarrada pela experiência, mesmo reconhecendo que está repleto de escolhas estilísticas excessivas (como aquele número surreal de créditos iniciais... ok, já percebi, bora lá andar com isso) e momentos deliberadamente desconfortáveis. Apesar de tudo isso, ou talvez por causa disso, saí do filme impressionada.

Desde o primeiro momento, Climax impõe-se como um exercício de cinema sensorial. A sequência de dança inicial é um espetáculo vibrante, filmada num plano-sequência envolvente que já nos avisa: “vais ficar preso aqui dentro”. A energia é contagiante, super bem coreografada, e ficamos logo com a sensação de “ok, isto promete”. A história é simples, mas serve o propósito: uma companhia de dança está a celebrar o fim dos ensaios numa espécie de festa rave, isolados num edifício. Tudo começa em modo descontraído e animado, até que, a realidade desfaz-se por completo. E o filme também. Quando se percebe que alguém meteu algo na sangria e que está toda a gente a consumir aquilo sem saber, o ambiente transforma-se completamente. E aí, o que era só intenso passa a ser caótico — tanto para os personagens como para quem está a ver.

Mas a verdade é que o colapso já estava à tona antes de qualquer droga entrar em cena. Até então, os dançarinos iam trocando conversas que à primeira vista pareciam banais, típicas de uma festa entre conhecidos. Mas, no meio dessas interações soltas, começava a notar-se uma tensão no ar. Aos poucos, iam surgindo temas como aborto, parentalidade, rejeição, racismo, identidade sexual, relações abusivas, violência. Assuntos pesados, mas introduzidos de forma muito orgânica. Aparecem como desabafos espontâneos de pessoas já meio vulneráveis, meio bêbedas, meio exaustas.

É essa naturalidade que dá força ao filme. Consegue falar de temas sérios sem parecer moralista ou forçado. Estão ali, escondidos nas entrelinhas, e faz-nos perceber que aquela rave já era um campo minado emocional antes sequer de alguém beber a sangria. A droga apenas acelerou o que já estava prestes a explodir. É quase como se cada um estivesse a guardar um grito, e a droga apenas tivesse carregado no play.

E é aqui que entra o verdadeiro delírio visual e emocional de Climax. A câmara, em vez de simplesmente mostrar o que se passa, parece entrar no mesmo estado alucinatório dos personagens. Em certos momentos, vira-se completamente ao contrário, literalmente, e começa a flutuar pelos corredores como se estivesse a dançar, a fugir, ou a observar friamente o caos. Parece que ganha vida própria, que está a tripar com eles. Há uma altura em que só me apetecia gritar “ok, chega, para com isto!”, mas ao mesmo tempo não conseguia desviar os olhos. Era desconfortável, sim. Mas hipnótico.

O som e a música também não ajudam nada a relaxar, mas no bom sentido. A banda sonora é agressiva, eletrónica, inquieta, e mantém-nos em constante alerta. Não há espaço para respiro, e isso é exatamente o que o filme quer. Não estamos a ver Climax. Estamos a viver Climax. A suportá-lo. A sobreviver-lhe.

E mesmo com toda a loucura, há uma dimensão humana que me apanhou de surpresa. Aqueles pequenos diálogos antes da espiral servem para nos lembrar que cada personagem é mais do que um corpo a dançar ou a gritar. São pessoas carregadas de medo, raiva, trauma. Almas perdidas que já estavam prestes a explodir, e a droga só acelerou o inevitável.

Climax é estranho. É provocador. É desconfortável. E não é para toda a gente. Sinceramente, nem sei se quero ver outro filme do Gaspar Noé tão cedo. Mas este vai ficar comigo durante muito tempo.

9

/10

Erica

© 2025 CiAonema. Todos os direitos reservados.